domingo, 6 de junho de 2010

ENTREVISTA DE GILBERTO GIL - JORNAL ZERO HORA

"Na minha infância, minha festa de aniversário ficava ali, dois dias depois de São João e três antes de São Pedro. Como Santo Antônio é dia 13, as pessoas no Norte e no Nordeste celebram rezando uma trezena. Depois que eu nasci, minha mãe, em vez de rezar do dia 1º ao dia 13, passou a rezar do 13 ao 26, terminando no meu aniversário. Vinte e Seis foi a última música do disco a ser composta, escrevi quando soube que iria cantar no dia do meu aniversário em Jequié, terra do Waly Salomão (poeta baiano, morto em 2003). Decidi, então, cantar um parabéns para mim mesmo no meu dia de natal."
Gilberto Gil

A ENTREVISTA:

Zero Hora – Fale de sua ligação com os ritmos nordestinos.

Gilberto Gil – Meu primeiro ídolo foi Luiz Gonzaga, meu primeiro instrumento foi o acordeom. Meu primeiro sucesso, depois de Aquele Abraço (1969), foi o xote Eu Só Quero um Xodó (parceria de 1973 de Dominguinhos e Anastácia). Aqui e ali na minha carreira, sempre surge a presença da música nordestina. O meu disco de volta do exílio se chama Expresso 2222 (1972), que é um xaxado.

ZH – Você é um dos entrevistados de O Homem que Engarrafava Nuvens (2009), documentário de Lírio Ferreira sobre o compositor Humberto Teixeira, parceiro de Gonzagão. Segundo o filme, os ritmos nordestinos ocuparam em meados dos anos 1940 um espaço deixado pelo samba no Rio, ganhando projeção nacional. Você concorda com essa tese?

Gil – Não tenho elementos suficientes para corroborar essa tese. O que acontece é que a partir de 1946, Gonzaga grava Baião, aquela que diz “Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião”, Asa Branca, Juazeiro e Boiadeiro, lançando um hit a cada ano e conquistando primeiro as cidades nordestinas, depois o resto do Brasil a partir do Rio, onde ele morava. Em 1953, Gonzaga grava uma parceria com Zé Dantas que está nesse meu disco, Dança da Moda, em que registra essa mudança nos salões de baile cariocas: “No Rio tá tudo mudado / Nas noites de São João / Em vez de polca e rancheira / O povo só dança e só pede o baião”. Isso coincide com a chegada ao Rio e São Paulo de hordas de nordestinos depois da Segunda Guerra, a fim de trabalhar na construção civil. A feição nordestina passa então a dominar as festas juninas.

ZH – E o Luiz Gonzaga foi o maior divulgador dessa música no país, certo?

Gil – Ele é o primeiro artista pop do Brasil com um power trio de sanfona,zabumba e triângulo enchendo as praças do país. Lembro de ver, aos 10 anos, o Luiz Gonzaga na Praça da Sé, em Salvador, apinhada de gente, 20 ou 30 mil pessoas, ele em cima do palco com aquele chapéu de cangaceiro. Foi avassalador! Se hoje sou músico, é por causa dele.

ZH – Você também recupera em Fé na Festa as letras de duplo sentido desses ritmos.

Gil – Isso está presente em duas vertentes importantes da música brasileira: as marchinhas de Carnaval e o xote nordestino. Desde o Xote das Meninas, passando por O Cheiro da Carolina e por Severina Xique-Xique, do refrão “Ele tá de olho é na butique dela”. Essa música O Livre-Atirador e a Pegadora é uma continuadora dessa velha tradição.

ZH – Não Tenho Medo da Vida foge desse clima, propondo uma reflexão existencial e dialogando com Não Tenho Medo da Morte, de Banda Larga Cordel (2008).

Gil – Essa música aparece no repertório como uma estrangeira. Surgiu porque um amigo pediu para eu cantar Não Tenho Medo da Morte e sugeriu que eu compusesse uma música que dissesse que não tenho medo da vida. Tem também a canção Estrela Azul do Céu, que remete ao sentimento de perda da tradição pela contemporaneidade, o balão que já não existe mais...

ZH – Em Vinte e Seis, você canta seu aniversário como mais uma das festas juninas.

Gil – Na minha infância, minha festa de aniversário ficava ali, dois dias depois de São João e três antes de São Pedro. Como Santo Antônio é dia 13, as pessoas no Norte e no Nordeste celebram rezando uma trezena. Depois que eu nasci, minha mãe, em vez de rezar do dia 1º ao dia 13, passou a rezar do 13 ao 26, terminando no meu aniversário. Vinte e Seis foi a última música do disco a ser composta, escrevi quando soube que iria cantar no dia do meu aniversário em Jequié, terra do Waly Salomão (poeta baiano, morto em 2003). Decidi, então, cantar um parabéns para mim mesmo no meu dia de natal.

ZH – Que balanço você faz desse período como ministro da Cultura, entre 2003 e 2008?

Gil – Os ecos públicos do ruído da minha presença ali são razoavelmente harmônicos. Dentro do próprio governo, junto ao presidente Lula e aos ministros, os projetos e iniciativas como a formação de uma bancada da cultura na Câmara e no Senado e o Plano Nacional de Cultura também ecoam de uma forma muito positiva. Tem também o eco no meu coração, e ele ecoa bem dentro de mim. Não tenho saudades, mas muitas boas lembranças.

ZH – Você participou do lançamento da candidatura à Presidência da República de Marina Silva (PV). Você vai ser o ministro da Cultura dela?

Gil – Não (risos). Já disse a ela outro dia: “Me poupe, viu?”


Fonte:Jornal Zero Hora




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